Discriminação ou segurança coletiva? Vacinação contra a Covid-19 é requisito para vagas de emprego.

 

Com avanço da imunização, cobrança do certificado ultrapassa os limites para acesso ao lazer e entretenimento, chegando ao mercado de trabalho

Com o avanço da imunização contra a Covid-19 no Brasil, o comprovante da vacina começa a ser exigido em diversos Estados e municípios para variadas ocasiões. No Rio de Janeiro, a apresentação do passaporte sanitário é obrigatória para entrada em locais de uso coletivo, assim como em eventos-teste. Por sua vez, em outros locais do país e do mundo, a exigência ultrapassa os limites do lazer e do entretenimento e chega ao mercado de trabalho. A companhia aérea United Airlines, por exemplo, uma das maiores do segmento no planeta, anunciou a demissão de 600 colaboradores que recusaram a imunização. Segundo a empresa, os funcionários tiveram sete semanas para aderir à vacinação, mas cerca de 1% dos trabalhadores não tomou a vacina e, por isso, haverá demissão por justa causa. Ao mesmo tempo, a Airlines afirmou que a política sanitária da empresa vai cobrar a vacinação contra a Covid-19 para a contratação dos 25 mil novos funcionários que serão admitidos nos próximos anos. O passaporte da vacina parece ter vindo para ficar.

Assim como a gigante norte-americana, processos seletivos para empresas brasileiras também já colocam o comprovante da imunidade como um requisito. A consultoria de recursos humanos Winner RH divulgou na semana passada, no LinkedIn, uma vaga para consultor de máquinas que colocava como exigência ter a vacinação contra a Covid-19 em dia, o que significa, segundo a companhia, estar com o esquema imunológico completo. O diretor da consultoria, Leonardo Moura, explica que a cobrança ainda é limitada a alguns segmentos do mercado, mas que vê na demanda uma tendência para os futuros contratos, o que também inclui a mão de obra temporária e terceirizada. “As empresas do segmento offshore são as que mais demandam esse tipo de requisito, mas a indústria também tem feito esse movimento. Hoje, com o novo cenário de pandemia, torna-se uma exigência, por questão de risco, que as pessoas estejam vacinadas e comprovem isso”, pontua Moura, que não vê uma resistência dos candidatos. “Quem precisa de emprego acaba se condicionando com as exigências da empresa. Nesse caso, a cobrança é para resguardar a vida.”

Longe de ser uma exceção, o comprovante da vacina também passa a ser exigido por outros segmentos. Alberto Lopes, head de Vendas e Parcerias da Revelo, plataforma online de recrutamento para o setor de tecnologia, diz que algumas empresas já começaram a pedir o certificado para funcionários que, após a contratação, desejam trabalhar presencialmente. “Se as empresas considerarem os protocolos de saúde, a tendência é que tenham que colocar isso. Não é algo simples, mas deveriam colocar como uma obrigatoriedade”, afirma Lopes. Na visão dele, a medida é uma forma de proteger o coletivo e, ao mesmo tempo, respeitar as determinações das autoridades sanitárias. “Seria estranho uma empresa não seguir uma norma de saúde pública. Hoje, para você ir a um estádio, precisa da vacina, então segue a mesma regra. Não fazer isso é assumir um risco muito grande. Imagina se um colaborador acaba se infectando e tem um problema de saúde mais grave?”

O que diz a legislação trabalhista?

A discussão sobre a exigência – ou não – do certificado da vacina para a manutenção ou contratação de funcionários é tema de debates entre especialistas e não há consenso. A advogada trabalhista Claudia Securato, sócia do escritório Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogados, compartilha da visão das empresas de que a exigência do documento é uma forma de garantir a segurança dos trabalhadores. “Eles não podem admitir qualquer pessoa que coloque em risco a saúde dos demais colaboradores. Nesse caso, o direito coletivo se sobrepõe ao individual, então a empresa pode exigir a vacinação para futuras vagas de emprego”, pontua, reforçando que a cobrança é legal e casos análogos já demonstram a validade. “Já foi autorizado, por exemplo, a dispensa por justa causa de funcionário que se recusou a vacinar, outra situação é que o Tribunal de Justiça de São Paulo emitiu uma ordem de que é obrigatória a apresentação do certificado para entrar no órgão. Então, não temos uma decisão específica [sobre a cobrança em processos seletivos], mas em similares já foi exigido o comprovante, o que acaba incentivando as pessoas a se vacinarem, e isso é ótimo.”

Por outro lado, outros especialistas contestam a validade da cobrança. O juiz Otavio Calvet, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT/RJ), acredita que não há embasamento para a exigência. Segundo ele, embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha decidido que é possível criar restrições para quem recusar a vacinação, ainda falta uma regulamentação. Na visão de Calvet, a preocupação é que a cobrança – sem uma decisão consistente das autoridades competentes – abra precedentes para que outras informações sejam exigidas, tornando o processo discriminatório. “As pessoas com boa intenção, porque no fundo a intenção é boa, estão sacrificando direitos fundamentais do cidadão, essa é a grande preocupação. Se a gente autorizar que isso seja a critério do empregador, não por lei, podemos abrir um precedente que pode acabar discriminando, impedindo o acesso ao trabalho de forma injustificada. É um tema que não pode ser decidido por cada empregador, mas pela sociedade. E a gente faz isso por lei”, reforça. Ainda de acordo com Calvet, candidatos que se sentirem lesados em processos seletivos que exijam o certificado imunológico podem recorrer na Justiça. “A consequência jurídica poderia ser o dano moral e o dano patrimonial, envolvendo todos os gastos que o candidato teve por conta dessa seleção discriminatória”, finaliza.